A
entrevista recente do economista Philippe Legrain (jornal Público de
11/05/2014), ex-conselheiro de Durão Barroso e liberal convicto,
afirma categoricamente que a origem da crise da dívida está na
dívida privada acumulada pelos bancos, ou seja, as “ajudas” a
Portugal e à Grécia foram na prática resgates aos bancos alemães.
Legrain acusa os governos e as instituições europeias de terem
posto os interesses dos bancos à frente dos cidadãos. Afirma e
explica que os resgates aos Estados foram resultado do lobby dos
bancos alemães e franceses que estavam demasiado expostos à dívida
pública daqueles países e queriam evitar qualquer tipo de
reestruturação que lhes imputasse perdas, deste modo, as
instituições públicas europeias funcionaram como instrumentos para
os credores imporem a sua vontade aos devedores.
A
conivência do governo português PSD-CDS, liderado por Passos
Coelho, com a sua ideologia neoliberal postiça, permitiu que a
troika
desempenhasse um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer
controlo democrático, daí estarmos hoje numa grave situação
política, pois «(…)
pior
que tudo, impondo as políticas erradas. Já é mau demais ter-se um
patrão imperial porque não tem base democrática, mas é pior ainda
quando este patrão lhe impõe o caminho errado.» O caminho errado
prende-se com o facto de na realidade durante os três anos de
vigência do «Memorando de Entendimento» estabelecido coma troika,
a divida pública agravou-se de tal forma que se tornou
insustentável, atingindo os 130 % do Produto Interno Bruto (PIB).
Consequentemente, Portugal encontra-se hoje lamentavelmente em pior
estado do que estava no início do “programa de ajustamento”.
Este
caminho pseudo-ideológico de natureza neoliberal (postiça) é ele
mesmo um história de falsidades que demonstra bem o cariz
oligárquico que está por detrás da dominação financeira mundial
-o sociólogo Boaventura Sousa Santos chama-lhe mesmo fascismo
financeiro-, basicamente porque assenta em premissas corrompidas
daquilo que verdadeiramente seria de esperar dos neoliberais, ou
seja, dos fundamentalistas do livre mercado, que acreditam que os
mercados tendem para um equilíbrio natural (mão invisível) e que
os melhores interesses de uma sociedade serão realizados se cada
indivíduo puder procurar livremente o seu próprio interesse. No
entanto, foi o multimilionário George Soros quem em 2008 afirmou que
«essa é uma conceção obviamente errónea porque foi a intervenção
[dos Estados] nos mercados, não a ação livre dos mercados, que
evitou que os sistemas financeiros entrassem em colapso. Não
obstante o fundamentalismo de livre mercado emergiu como a ideologia
económica dominante na década de 1980, quando os mercados
financeiros começaram a ser globalizados, e os Estados Unidos
passaram a ter um deficit em conta-corrente». (SOROS,
George. The
worst market crisis in 60 years,
Londres: Financial Times, 23 de janeiro de 2008).
Portanto,
para além de os mercados financeiros globais não saberem gerir o
seu próprio interesse, como diz Georges Soros e o comprova a crise
financeira de 2008 despoletada pela colossal ganância em torno da
especulação imobiliária e dos ativos tóxicos associados aos
derivativos financeiros, a Comissão Europeia pessimamente liderada
por Durão Barroso pretende fazer dos cidadãos europeus reféns da
grande finança durante décadas, segundo a nova lógica do Tratado
Orçamental Europeu, que o Bloco de Esquerda e a Esquerda Europeia
rejeitam, o qual condena as futuras gerações aos aumentos brutais
de impostos, aos cortes salariais, e à diminuição severa do Estado
Social a mínimos históricos.
O
pior burro é aquele que não quer aprender
Com
diz o ditado popular, o
pior burro é aquele que não quer aprender, e
é isso mesmo que se nota a léguas no governo PSD-CDS, pois neste
momento de eleições europeias é deveras preocupante perceber que
não se assuma que houve erros tremendos desde o início da crise
como aliás bem percebeu o ex-ministro das finanças Vítor Gaspar,
ele próprio um dos defensores da austeridade plena, mas que
abandonou o governo quando viu o falhanço das suas próprias
medidas. Portanto, manter a mesma receita, que nada resolve, para a
mesma doença é sinal de quem não tem capacidade nem competências
de governação pública, e ao mesmo tempo sinal de querer manter à
força as ligações promiscuas com entidades do sector privado, onde
«muitos políticos seniores ou trabalharam para bancos antes, ou
esperam trabalhar para bancos depois. Há uma relação quase
corrupta entre bancos e políticos» (Philippe Legrain).
Esta
emburrice é
de facto prejudicial para o país e para as gerações futuras, e
existe apesar de todos os avisos, nomeadamente vindos de dentro dos
partidos governamentais, por exemplo de Marques Mendes que publica na
revista Visão um artigo onde diz explicitamente que «aumentar
impostos não é só mais do mesmo. É o pior dos caminhos
(....)
é
a negação da doutrina liberal de que a liderança governativa tanto
se arvora.» (Visão nº1106, p.14). Em Julho de 2012, também Paulo
Portas numa carta dirigida aos militantes do CDS dizia que, «o nível
de impostos tinha atingido o seu limite». Todo este irrevogável
cenário tem sido desde as últimas eleições legislativas um
colossal embuste, a começar pela enorme desfaçatez e pelas mentiras
com que Passos Coelho, enquanto candidato a primeiro-ministro, se
comprometia: não aumentar impostos, não privatizar ao desbarato,
não atacar a classe média, não cortar salários, não cortar
pensões (grande bandeira do CDS), etc.,
etc..
A
inépcia deste governo é claramente visível quando todos os
orçamentos de Estado tem problemas de constitucionalidade e por isso
mesmo as normas que insistem nas desigualdades sociais são
sistematicamente chumbados pelo Tribunal Constitucional. Depois vem o
antibiótico do costume... mais aumento de impostos já anunciados
para 2014 !
Ao
longo destes anos de (des)governação PSD-CDS, o “terrorismo
social” de Estado atingiu níveis muitíssimo alarmantes, desde o
aumento do número de crianças com fome, de trabalhadores que apesar
de terem emprego são pobres devido à constante diminuição de
salário ou de idosos e que vivem já no limiar da miséria. Ainda
assim, não contente com a miséria e a desgraça existentes em
Portugal, o primeiro-ministro, na sua intervenção no último
congresso do PSD, avisou que as próximas medidas vão ser ainda mais
dolorosas para os que já sofreram com a sua política, dizia então
com um sorriso sádico esboçado na face que «quando se começa a
levar alguma pancada, as primeiras que podem ser as mais fortes não
são necessariamente as que doem mais
(...)», prometendo
assim mais «pancada» aos portugueses. Depois aparecem normalmente
os comentadores de serviço com a lenga-lenga: mas há algum governo
que tenha gosto em fazer mal ao seu próprio povo? Resposta:
obviamente que sim !
Manipulações,
corrupções e outros comportamentos eticamente reprováveis
É
sabido que a primeira passagem de Paulo Portas pelo Governo ficou
marcada pelas suspeitas de pagamento de luvas em negócios onde o
Grupo Espírito Santo marcava presença, quer como parte interessada,
quer como intermediário. Os escândalos ficaram impunes e há um
milhão de euros depositado na conta do CDS no BES cuja proveniência
continua sem explicação plausível. A investigação sobre
corrupção e tráfico de influências na venda dos submarinos em
Portugal nem chegou a julgamento, mas na Alemanha e na Grécia já há
condenados.
Aliás, no que respeita a comportamentos eticamente reprováveis, é
preciso não esquecer que vários altos dirigentes com cargos
políticos em anteriores governos do PSD estão ligados a crimes que
lesam hoje fortemente o erário público e a vida concreta dos
portugueses, designadamente o caso BPN: Dias Loureiro, Duarte Lima,
Arlindo de Carvalho ou Oliveira e Costa.
Em
suma, ao longo destes três anos de governação tóxica em Portugal
e na Europa, repleta de mentiras e manipulações, de discursos
propositadamente contraditórios e eticamente reprováveis, o governo
deveria ter que explicar aos cidadãos com que legitimidade
democrática é que destrói um Estado Social de nível europeu para
criar em Portugal um Estado ao nível dos ditos países de terceiro
mundo.
Ora,
como essa explicação não vai acontecer por motivos óbvios, urge
que os eleitores demonstrem nas próximas eleições europeias (25 de
Maio) que não querem continuar a ser governados e enganados por esta
estirpe tóxica, que não querem mais crescimento abrupto do
desemprego, nem mais enorme aumento de impostos, nem quebra brutal do
poder de compra, nem o gigantesco aumento da dívida pública.
Em
vez de insistir na espiral negativa e destrutiva que o sistema
capitalista nos quer impor é agora, nestas eleições, que devemos
mudar de direção para: Parar a austeridade; Responsabilizar a
finança; Reestruturar as dívidas; Referendar o Tratado Orçamental;
Defender um Estado Social mais robusto; Proibir os offshores;
Reconstruir uma economia produtiva; Defender uma Europa sem muros;
Mais e melhor democracia europeia; Uma política ambiental que afirme
como prioridade as energias renováveis e a eficiência energética,
livre de OGMs e da mercantilização das sementes e dos bens
comuns como a água e os recursos hídricos (Compromissos
eleitorais do Bloco de Esquerda – europeias 2014).
Rui
Matoso
Bloco
de Esquerda
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