Foto de José Pimenta |
FRANCISCO LOUÇÃ - Sou natural de Lisboa e nasci em Novembro de 1956. Sou economista e professor catedrático no Instituto Superior de Economia e Gestão.
Mas acho que os leitores já me conhecerão, para o bem e para o mal...
FESTA - Como começou a sua ligação à política?
F. L. - Participei na luta contra a ditadura e contra a guerra colonial, no movimento estudantil dos anos setenta. Estava na capela do Rato quando, em Dezembro de 1972, um grupo de jovens se reuniu, em vigília pela paz e contra a guerra colonial e acabei por ser preso, com outros companheiros, e levado para Caxias.
Em 1973 aderi à Liga Comunista Internacionalista, e em 1974 passei a integrar a sua direcção.
FESTA - Que levou à criação do PSR?
F. L. - Em Outubro de 1978 foi constituído o Partido Socialista Revolucionário (PSR). Era uma nova força com que queríamos ampliar a convocação da Esquerda.
Desde o início, o PSR optou por marcar a diferença relativamente à forma tradicional da actuação política.
Nos anos 80 a esquerda vivia uma situação muito desesperada, com as maiorias de direita de Cavaco Silva, e havia que encontrar canais alternativos que saíssem da política tradicional e permitissem uma ligação à sociedade. Foi por isso que a sua preocupação dominante foi cooperar com activistas independentes e criadores culturais.
Em 1991 o PSR ficou a cerca de 200 votos de eleger um deputado por Lisboa, ao obter 65 mil votos, e alcançou o lugar de sexto partido nacional e o terceiro nos partidos de esquerda.
FESTA - Porquê, agora, o Bloco de Esquerda?
F. L. - O Bloco nasceu em 1999 com uma ideia de procurar criar, no fim de um ciclo político, uma nova resposta que fizesse crescer algo de novo na esquerda em Portugal.
Tinha-se fechado o ciclo politico do 25 de Abril e abria-se uma nova era para uma nova Esquerda, na fase da globalização, o que exigia novas formas de organização política.
O partido nasceu da participação da UDP, PSR e Política XXI, tendo havido várias aproximações anteriores, como no processo do primeiro referendo da IVG, mas sobretudo beneficiou da participação de muitos activistas independentes que queriam uma nova força política na esquerda.
Partilhávamos uma certa ideia de Socialismo com liberdade de opinião, de imprensa e de organização social e sindical, oposta portanto à experiência da URSS ou da China. Entre os fundadores existiam afinidades sobre a leitura que fazíamos da globalização capitalista, que nos permitiram estabelecer uma determinada estratégia socialista comum. Elaborámos o manifesto "Começar de Novo" em que assumíamos o compromisso de construção de um novo movimento capaz de se constituir como alternativa na política nacional.
Logo em 1999, as eleições europeias e a campanha contra a intervenção da NATO na Bósnia, testaram a nova organização política. Nas eleições legislativas, o Bloco elegeu dois deputados por Lisboa e obteve mais de 132 mil votos.
FESTA - Como é liderar um partido onde existem várias correntes ideológicas?
F. L. - Desde a sua formação o Bloco afirmou-se como uma nova força política que reconhece e promove a liberdade de opinião e o pluralismo.
O Bloco tem uma organização interna democrática baseada na representação dos aderentes. Isso permitiu a adesão de muitos milhares de novos militantes.
FESTA - Como encara os resultados eleitorais do Bloco de Esquerda nas últimas legislativas?
F. L. - Os principais objectivos do Bloco foram conseguidos: foi o partido que mais cresceu eleitoralmente, e com este crescimento conseguimos derrotar o absolutismo de Sócrates. Nestas eleições a esquerda saiu reforçada, está mais forte e representada, e para além do seu crescimento parlamentar, o Bloco passou a ter eleitos em muitos distritos onde a esquerda não estava representada, como Leiria, Coimbra, Aveiro e Faro.
Os resultados mostram que o Bloco cresceu, tem mais implantação, porque afirmou uma alternativa socialista na confrontação com o governo e o poder económico. Julgo que essas eleições começaram a mudar a política do país.
FESTA - Qual é, na realidade, a força do Bloco de Esquerda?
F. L. - A força do Bloco de Esquerda é a força das suas propostas e da sua acção social nos movimentos que mudam o país. É com essa força que queremos construir uma força dirigente na esquerda e no país, para afirmar a alternativa socialista.
FESTA - Aprofundando um pouco mais a questão política, e tendo em conta a conjuntura actual, na sua opinião, o que é que foi feito pelo Governo (este ou outro) para nos levar a esta crise?
F. L. - Todas as medidas do governo conduzem a uma nova recessão. E são injustas: a prioridade do acordo Sócrates - Passos Coelho é a redução do subsídio de desemprego, mas no dia seguinte o governo renova as garantias para o sistema financeiro. Corta aos desempregados e beneficia a banca. É assim a política do governo e do PSD.
FESTA - Pensa que a situação do nosso país é realmente muito complicada ao nível económico? Estamos perto dos problemas gregos?
F. L. - Encaro a situação económica do país com uma profunda preocupação, tendo em conta o colapso do desemprego que atinge novos níveis históricos a cada mês que passa. As medidas que o PS e PSD estão a negociar agravam esta crise recessiva com a responsabilidade social do bloco central.
Portugal está sob o mesmo ataque especulativo que atinge a Grécia, sob ameaça de um Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que ameaça os rendimentos do trabalho, que reduz salários e aumenta as dificuldades económicas para os mais pobres e desprotegidos. É necessário, e urgente, a reorientação da economia portuguesa e a promoção de uma política europeia contra a especulação.
FESTA - O que é que foi feito e não devia, ou o que é que se devia ter feito e não o foi?
F. L. - Era possível, e necessário, reduzir aquilo que é excessivo e que é um abuso contra a justiça fiscal, para utilizar os recursos necessários nos salários dos mais pobres e nas pensões mais degradadas.
É nisso que tem de fazer diferença uma política orçamental séria. Era responsabilidade do Governo ter reduzido as despesas inúteis e extravagantes, como os 189 milhões de euros gastos em consultorias pedidas a escritórios de advogados, que podiam ter sido feitas pelos organismos do Estado, os 1000 milhões de euros gastos na compra de submarinos, ou os 1000 milhões de euros em subsídios fiscais para o off-shore da Madeira.
O Governo tem dois pesos e duas medidas: rejeita esse princípio elementar da justiça fiscal que é fazer com que quem ganha muito pague mais e que quem ganhe menos pague menos, por isso não aumenta os impostos sobre prémios atribuídos a administradores, por exemplo. Esse princípio da justiça é a resposta da esquerda, do BE, a este desastre orçamental que o Governo já começou a por em prática.
FESTA - O Governo avançou com uma série de medidas para combater a crise. O que pensa destas medidas?
São suficientes, resolvem alguma coisa, ou pelo contrário, existem outras medidas que resolveriam a situação a curto prazo, sem influenciar tanto a vida do cidadão comum?
F. L. - O PEC apresentado pelo Governo irá traduzir-se na ruína económica e numa tragédia social para o país, por isso só pode ter a rejeição do Bloco.
Apresentei um projecto alternativo de política fiscal e económica, que demonstra que se pode proteger os salários, criar emprego e aumentar a justiça fiscal, para mais e melhor qualidade de vida das populações, o que o PEC não contempla. Demonstrámos que é possível cortar muito mais na despesa no ano de 2010, tendo como objectivo imediato reduzir o défice já este ano em valores muito superiores ao previsto pelo Governo e promover simultaneamente uma política de recuperação para a criação de emprego.
Essas medidas de corte no desperdício e de justiça fiscal tornam o Estado mais responsável e mais fiável, e dão-lhe capacidade para políticas de investimento e de gastos sociais que respondem à recessão.
Defendemos o abandono da política de privatizações do Governo, que é prejudicial e desastrosa do ponto de vista económico. Em termos de redução dos juros da dívida pública em 2011, o Estado obterá com este programa de privatizações cerca de 50 milhões de euros.
Em contrapartida, medidas mais sensatas permitiriam ao Estado obter um encaixe financeiro de 1000 milhões de euros com a venda dos submarinos, mais de 750 milhões com a aplicação de uma taxa sobre o off-shore da Madeira e 1000 a 2000 milhões com outros off-shores. Com a introdução de medidas como taxação sobre as mais-valias bolsistas e o corte nos benefícios, deduções e taxas especiais e liberatórias o Estado teria uma recuperação de cerca de 600 milhões de euros.
Como forma de reanimar a Economia, o Bloco defende que o investimento público deve ser reorientado para a criação de um programa de reabilitação urbana. Essa é uma prioridade que relançaria o emprego e a actividade económica, e que melhoraria a vida das pessoas.
FESTA - Qual a sua opinião sobre as recentes movimentações do Bloco de Esquerda em Torres Vedras e em outros locais do país?
F. L. - É muito importante a criação do núcleo do Bloco em Torres Vedras e está com uma grande dinâmica, juntando muitas pessoas que não aceitam ficar de braços cruzados perante a crise nacional.
Apelo intensamente a quem quer uma esquerda de confiança para que se junte a este núcleo, trazendo a sua experiência, opinião e convicção.
Sem comentários:
Enviar um comentário